O que a ciência realmente diz?
A ciência não é uma entidade com opiniões, mas um processo baseado no método científico. Esse método consiste na formulação de hipóteses, experimentação controlada e análise rigorosa dos resultados. Os estudos são revisados por especialistas antes da publicação em revistas científicas, garantindo credibilidade. No entanto, a ciência não emite veredictos absolutos; ela reduz incertezas e aprimora o conhecimento progressivamente. Ao interpretar afirmações como “a ciência diz”, é essencial considerar o contexto e as limitações dos estudos científicos.
Matheus Geraldi
3/7/2025
É comum encontrarmos frases como “a ciência diz que tal coisa não funciona” ou “segundo a ciência, tal comida emagrece”. Bom, isso não faz muito sentido, e aqui hoje você vai entender o porquê.
Como “a ciência” funciona?
Em primeiro lugar, precisamos esclarecer que “a ciência” não é uma pessoa, nem uma instituição. O que essas reportagens, notícias ou postagens querem dizer é, na verdade, sobre o “método científico”.
O método científico é uma prática para descobrir coisas. É um método desenvolvido ao longo de muitos e muitos anos de estudo, e que usa hoje para criar o conhecimento humano. O método científico consiste na aplicação de um experimento para se testar uma ideia e entender os resultados.
O experimento é um passo-a-passo, uma receita de bolo, que vai se fazer para testar o que está querendo ser testado. O experimento é algo que tem que ser replicável. Ou seja, alguém pode repetir o experimento e chegar nos mesmos resultados (ou não!). Hoje em dia, muitos testes parecidos já foram feitos e refeitos muitas vezes, e para facilitar as pessoas não ficarem pensando nos experimento novo sempre, é comum que muitos procedimentos são padronizados em normas técnicas. Você já deve ter ouvido falar da ABNT, certo? Ela possui diversas normas para guiar procedimentos de experimentos padronizados, como testar propriedades dos materiais e desempenho de situações, entre outros procedimentos experimentais.
Após o experimento, quando falamos sobre testar uma ideia, elaboramos este teste com o objetivo de eliminar o máximo de incertezas possível, e controlar o máximo de possíveis influenciadores. Isso faz parte do experimento também. Como comumente fazemos os testes querendo generalizar vários casos ou populações, é comum usarmos testes estatísticos para isso. A estatística nos traz ferramentas matemáticas para generalizar os resultados de uma amostra (alguns exemplares de um todo), para a população (o todo).
Vamos ver um exemplo?
Vamos supor que um laboratório conseguiu sintetizar um novo tipo de cimento que foi reciclado com base em garrafas PET trituradas. Um teste que se pode fazer é verificar se a resistência desse cimento é equivalente ao cimento comum. Para isso, propõe-se um experimento de compor duas amostras de pedacinhos de cimento puro (chamados corpos-de-prova), uma amostra de cimento inovador e outra de cimento tradicional. Usa-se a Norma NBR 6118 como procedimento experimental para testar a resistência dos corpos-de-prova, e chega-se a conclusão de que o cimento inovador teve uma resistência média de 28 MPa (MPa é a unidade de resistência, chama-se Mega Pascal), enquanto o cimento tradicional teve uma residência de 30 MPa. Portanto, temos como resultado que o cimento inovador é cerca de 7% menos resistente que o cimento comum.
Pronto! É até aqui que a ciência chega. É importante notarmos que em nenhum momento houve um veredito sobre o cimento inovador ou o cimento tradicional. Por exemplo, não podemos afirmar “que o cimento inovador é ruim” ou “não pode substituir o cimento tradicional”. Isso porque o método científico não tem essa prerrogativa. Não usamos o método científico para decidir algo dessa forma, ou para qualificar ou desqualificar algo. A dúvida e a incerteza são prerrogativas da ciência!
E como os resultados são divulgados?
Por fim, precisamos falar sobre a divulgação dos resultados. Os resultados desses experimentos científicos são comumente divulgados em revistas científicas ou eventos científicos da área. O processo para publicação de um artigo científico em uma revista envolve a revisão por pares. Ou seja, quando um cientista envia seu estudo para a revista, para ser publicado, ele é revisado por dois ou mais pesquisadores da mesma área, que vão analisar o artigo e verificar se ele faz sentido, está bem escrito, cumpre os requisitos do método científico, etc. Essa revisão é gratuita e parte da cultura dos pesquisadores do mundo todo. Dessa forma, publicar um artigo em uma revista científica é algo difícil e traz prestígio aos pesquisadores, porque é um reconhecimento público que o trabalho gerou resultados significativos.
E no dia a dia? E nas redes?
Eu já ouvi muitos divulgadores científicos espalharem coisas como “lavar os alimentos só com água corrente não funciona”. Isso não faz muito sentido para mim. Não funciona para o que? Realmente não remove as bactérias, mas funciona sim para remover impurezas maiores como restos de terra, poeira. Na minha opinião, esse tipo de frase mais afasta as pessoas do objetivo (comer alimentos limpos) do que ajuda, pois se uma pessoa está sem condições de higienizar uma fruta com água sanitária durante 15 minutos, pode ser que ao ouvir isso vai desistir de lavar apenas com água, sendo que é melhor lavá-la com água corrente sim.
Em resumo…
Aprendemos que quando você ouvir alguém dizendo algo como “a ciência diz”, provavelmente aquela pessoa não sabe muito sobre ciência… É provável que essa pessoa tenha visto alguma pesquisa e viu os resultados que a interessam, sem considerar a prerrogativa da ciência de não tomar decisões absolutas. Temos que ter em mente o que realmente está por trás dessas afirmações: o método científico. A ciência não é uma entidade com opiniões próprias, mas um processo rigoroso de investigação que permite testar hipóteses de forma controlada e replicável, em que os resultados são apresentados com o objetivo de reduzir incertezas e aumentar o conhecimento da humanidade.